a-linha-narrativa nº3: O que as mangas bufantes contam sobre nós?

Pesquiso  "mangas bufantes" e o algoritmo me conta que elas estão no topo da curva da tendência. Renner, C&A, Farm, Antix, entre muitas, mandam sugestões no instagram. As mangas bufantes do início do Século XXI estão lânguidas, leves e delicadas.

A primeira temporada da simpática série "Anne with an E" da Netflix é ambientada no final do Século XIX. O pai da protagonista a presenteia com um vestido azul de mangas bem bufantes. Anne fica alucinada com a roupa que é o último grito da moda. Com a história bem decantada, é possível afirmar que a manga bufante super estruturada, ao lado do espartilho e da gola alta formavam o combo iconográfico de uma época de moral conservadora. A mulher deveria imprimir bibelô, tipo um enfeite do marido.

No Século XX, os anos 1980 foram um grande momento das mangas bufantes. Tinha uma pauta "ombros e braços" rolando.  A foto da capa do disco "Warm Leatherette" (1980) da Grace Jones deu a letra pictórica da década.  As mangas bufantes simbolizavam tanto a força das mulheres que se jogavam no mercado de trabalho, como os excessos de um período hedonista protagonizado pelos agentes do capitalismo financeiro e do neoliberalismo.

Lá por 2016, as bufantes reapareceram nas passarelas internacionais em uma coleção resort da Chanel. Aqui no Brasil algumas marcas autorais assinalaram que elas voltariam. Destaco a Aluf, da Ana Luisa Fernandes, que tem essa modelagem no DNA, e a Iara Wisnik. Perguntei para a Iara: Por que decidiu apostar nas mangas bufantes?

Minha marca é mais conhecida pelas linhas retas. Fui ficando com vontade de arriscar essa modelagem. Primeiro fiz uma de amarrações. Uma mistura de uma modelagem meio japonesa com outra mais romântica. Depois fiz uma versão de manga longa com uma prega no meio. Essa é bem mais 'medievalzona'.
As mangas bufantes fazem parte do meu imaginário afetivo. Elas sempre acabam voltando na minha cabeça. Começou quando era criança e assisti "Ham-let" do Zé Celso.  Meu tio, Caio da Rocha,  era o figurinista da peça. Pirei nas roupas da Ofélia e da Gertrudes. Tinham mangas bufantes e evasês enormes.  Quando fui estudar teatro, fiquei ainda mais ligada às obras do Shakespeare e nos figurinos das montagens de suas peças, sempre com uma manga bufante.
vestido Julieta, da linha festa, é uma referência bem clara a essas memórias afetivas.

Tudo que entra "na moda" é reflexo das sensações do tempo em que vivemos. Como disse a socióloga Denise Ferreira da Silva, estamos vivendo "o fim do mundo como conhecemos". Tentando ser (um pouco) otimista, @s protagonistxs da história começam a mudar.  Logo mais a gente vai olhar para as mangas bufantes da década de 2020 e dizer que dessa vez elas não contavam sobre o mundo dos homens.

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PS 01: Menção honrosa às mangas bufantes dos trajes de Festas Junina. Nesse texto tem uma breve história da comemoração das festas de São João e suas roupas típicas.

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